Cupido, a história toda

Em 2021 eu escrevi um post sobre cupido que gosta de sacanear com a gente.

Na minha antiga empresa tem esse ruivo. (Eu sou fã de ruivo. Fui casada com Carsten, que é praticamente um viking de barba ruiva, por 16 anos!) O cara é atraente e tanto eu quanto várias das minhas colegas concordamos que ele tem um charme e a mulherada fica se derretendo pra ele. Ele não é dina, é inglês e fala com um sotaque difícil de entender.

Ele é chefe do departamento de gerenciamentos de dados dos estudos clínicos no sexto andar, e eu trabalhava no departamento de documentação médica, preparando os documentos padrões (templates) no quinto andar. Durante meu primeiro ano na empresa, em 2015, nossos caminhos nunca tinham se cruzado. Até que meu departamento se mudou para o sexto andar em janeiro de 2016 e eu recebi um escritório só meu.

Aí sim eu via esse cara com frequencia, já que tinha que passar pela frente do meu escritório quando se está a caminho do refeitório na hora do almoço.

Um dia em 2018 eu estava preparando um treinamento eletrônico (e-learning) e eu queria gravar uns vídeos de demonstração. Minha chefe disse que meu sotaque era ruim, então eu procurei por gente que falava inglês como língua materna para narrar meus vídeos. No dia seguinte, vi esse cara passando pelo corredor e tive a doida ideia de gritar: ei você do cabelo vermelho (eu não lembrava o nome dele – sou péssima pra lembrar o nome das pessoas). Ele parou, deu meia volta e eu perguntei se ele teria meia hora para narrar dois vídeos para mim. Ele aceitou.

No dia da gravação, dei para ele o manuscrito. Ele trouxe seu próprio fone de ouvido com microfone. Enquanto eu abria os programas no computador, pensei em ser social e perguntei se ele tinha tido um bom fim de semana. Ele ignorou minha pergunta e mudou de assunto perguntado coisas sobre o texto. Então entendi que ele não se interessava em socializar.

Até que um dia calhou que estávamos a caminho do refeitório no mesmo horário e ele puxou papo comigo. Falamos de viagens. Era maio de 2019. Eu comentei que ia para a Suíça fazer trilha no monte Rigi. Ele me falou que tinha feito recentemente uma viagem com uma companhia de turismo inglesa chamada Explore e me recomendou a empresa e a trilha em Anapurna. Eu fui pesquisar e vi que a companhia tinha viagens muito interessantes e foi aí que eu achei a viagem para Japão (a mesma que acabei fazendo alguns meses atrás em 2023).

Também falamos de uma trilha no oeste das terras altas da Escócia (West Highland Way) e ele ficou de me emprestar um livro. E ele cumpriu a promessa. Apareceu com o livro no meu escritório uns dias mais tarde.

Depois disso, quando cruzávamos caminho só trocávamos um oi ou algumas poucas frases. Teve um dia que ele falou que tinha me visto no trem e achou estranho (eu antes morava do outro lado da rua da empresa). Eu comentei que tinha me mudado para Farum em 2021. Ele falou que mora em Vaerloese, que é o bairro aqui do lado, e que ele gosta de fazer comprar no shopping aqui perto do meu apartamento.

Em setembro de 2022 eu fiz a minha primeira viagem com a Explore, a companhia que o ruivo recomendou. Fiz trilhas na ilha Sardenha. Foi ótimo e quando voltei de viagem eu queria encontrar o ruivo novamente para agradecer pela recomendação. Um dia nos encontramos sem querer e eu disse que finalmente usei os serviços da companhia que ele tinha me recomendado. A resposta dele foi: oh, eu espero que tenha sido uma boa experiência (parecia que ele temia que eu fosse reclamar). Mas eu disse que foi ótimo.

Pouco tempo depois, em novembro de 2022 eu terminei meu mestrado e estava caçando um novo emprego, uma troca de carreira. Dentro da empresa havia poucas oportunidades. Minha chefe me disse que eu poderia tentar falar com outros chefes de departamento e peguntar se eles teriam recursos para me receber e me treinar. Um dos chefes que ela recomedou foi o ruivo.

Duas semanas mais tarde foi a festa de natal da empresa. O ruivo estava lá. Dei um oi de longe. Na hora de ir embora, eu fui pegar o meu casaco e mochila e eu o vi conversando com um pessoal bem ali na frente do chapeleiro. Eu ia olhar na direção dele para me despedir, mas não tive coragem. Baixei a cabeça e fui embora esperar o ônibus que daria uma carona até a estação mais próxima de metrô.

Eu não vi esse ruivo entrar no ônibus, mas quando cheguei na estação de metrô, ele estava lá com um povo do departamento dele. Como ele mora no bairro aqui perto de casa, eu sabia que iríamos pegar o mesmo trem e demoraria 30 minutos para chegar. Vi isso como uma oportunidade de perguntar se ele teria recursos no departamento dele e dizer que eu estudei um pouco de gerenciamento de dados. Não era a ocasião ideal para falar de negócios após uma festa de natal, mas eu não poderia perder uma chance dessas.

Quando o trem chegou, só entramos eu e ele. Para minha surpresa ele foi direto para o vagão silencioso, onde não se pode conversar. Eu fiquei sem reação e fiquei um pouco chateada, porque eu tinha feito um plano.

Nesse momento eu me lembrei daquele dia da gravação dos vídeos, quando ele não quis conversar nada pessoal. Achei simplesmente que ele não queria conversar comigo e por isso escolheu esse vagão. Eu entrei no mesmo vagão mas não me sentei ao lado dele. Pra quê, se não estamos juntos e nesse vagão não se pode conversar? Quando chegou na estação dele, ele me desejou bom fim de semana antes de sair do trem. Então lá se foi a oportunidade de perguntar se ele tinha lugar pra mim no departamento dele.

Depois disso comecei a procurar emprego em outras empresas.

Sabe, no dia que ele sentou no vagão do silêncio, eu fiquei com raiva, mas de vez em quando me pergunto se ele fez isso porque ele tinha me visto no trem uma vez e eu certamente estava sentada no vagão silencioso. Talvez ele tenha escolhido aquele vagão porque sabia que eu me sentiria mais a vontade lá. É possível. Enfim, já foi, não dá para consertar.

Quando voltei do Japão em novembro 2023 eu vi uma vaga de trabalho na minha antiga empresa. Fui chamada para duas rodadas de entrevistas. Quase todo mundo me conhecia naquela empresa, pois eu dava suporte para um monte de gente. Batendo papo com a gerente, comentei que fui ao Japão com a empresa que o ruivo recomendou. Ela revelou que no verão o ruivo fez uma viagem com a Explore. Ele fez a trilha no Kilimanjaro. Eu pensei, uau, esse cara só gosta de fazer trilha hardcore: Anapurna, Kilimanjaro. Caramba, que pique.

Sabe, de vez em quando, quando eu faço caminhada no bairro onde ele mora ou quando vou ao shopping aqui perto de casa, fico imaginando se o destino proporcionaria um encontro com o ruivo. Mas nos três anos que moro aqui, nunca aconteceu.

Nunca, até hoje.

Tem neve a dar com pau lá fora e a previsão do tempo era que faria sol o dia todo. Acordei animada com planos de colocar uma calça de ski (que é para ficar quentinha) e fazer uma caminhada ao redor do lago de Farum. Mas cadê esse sol? Perdi o pique e fiquei enrolando até três e pouco da tarde e só saí de casa porque realmente precisava ir ao supermercado.

Mas eu não estava com pressa. Coloquei minha calça de ski e um monte de blusa por baixo da jaqueta. No caminho tirei fotos da neve e vi crianças descendo o morro de trenó. Descobri que abriu um McDonalds no shopping. Eu não sou muito fã de McDonalds mas acabei comendo um sanduíche lá. Depois vasculhei algumas lojas antes de entrar no supermercado. Há 4 supermercados no shopping, e eu entrei num que se chama Netto.

Eu tinha pouca coisa na cestinha e no check-out fui naqueles caixas onde você mesmo escaneia seus produtos e paga direto na máquina. Eu tinha 8 coisas na cestinha, e o segundo produto deu problema e a máquina bipou. A atendente veio me ajudar e eu continuei escaneando minha compra. Aí meu quarto produto pibou também. Afe, fala sério! Eu não tenho paciência. Recolhi tudo daquela máquina e estava a caminho de um caixa normal, quando vejo um ruivo do outro lado do supermercado colocando trocentas pizzas congeladas dentro do carrinho.

Fiquei na dúvida se era ele. Não sei o que me deu. Eu normalmente não vou falar com os carinhas que acho atraente, mas fui e disse, desculpe, mas a gente se conhece? Ele disse que sim, da empresa. Conversamos por uns cinco minutinhos. Comentei que tinha ouvido falar do passeio dele no Kilimanjaro. Ele disse que eu definitivamente deveria fazer esse passeio. Eu disse que acabei de fazer Japão e que já tinha agendado outro passeio com a mesma empresa, para o outono de 2024. Ele me perguntou quanto tempo faz que eu saí da empresa e se eu gostaria de voltar. Eu disse que sim, que foi um erro ter saído de lá mas eu tinha terminado o mestrado e estava pronta para algo novo. Ele pergunteou qual a área de estudo do meu mestrado. Foi uma conversa boa, mas superficial. Então disse que não queria incomodar e me despedi.

Depois que paguei minha compra eu fiquei um pouco na frente do supermercado, ajeitando as compras dentro da minha mochila. Eu secretamente tinha esse desejo de que ele sairia do mercado e me convidaria para tomar um café. Mas não foi assim. Eu vim embora antes dele sair do mercado.

Engraçado que tantas vezes eu pensei que poderia encontrá-lo no shopping, mas justamente hoje, que eu estava de calça de ski e descabelada que finalmente acontece. É sempre assim, cupido só aparece nas horas que a gente menos espera.

Eu não sou apaixonada por esse cara, mas é uma atração e volta e meia eu penso nele.

Depois que partiram meu coração em 2018 eu nunca mais me relacionei com ninguém. Eu me fechei completamente, parei de cuidar da minha aparência, morri por dentro. Para piorar a situação, o cara que partiu meu coração resolveu vir morar na Dinamarca e trouxe a mulher búlgara dele junto. Quando ando no centro de Copenhague tenho receio de me deparar com eles, mas até hoje nunca aconteceu.

O encontro de hoje me deu energia e me deixou animada. Talvez tenha chegado a hora para me abrir. 2024 começando de uma maneira diferente.

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5 Responses to Cupido, a história toda

  1. Manu diz:

    É sempre assim! Mas tudo que é bom descabela e é assim que me conforto em estar sempre descabelada! hahahhaha

    Isso aí, estar aberta para novos caminhos é o principal!
    Você é muito gata, maravilhosa e uma pessoa fantástica para não mostrar por aí toda essa exuberância! 😉

    E ainda vai encontrar esse e muitos outros ruivos, rs

  2. Manu diz:

    hahahaha!! Olhaaa!!! Várias coisas em comum, eu também não curto… rs

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