Eu ainda sou daquela época em que toda menina tinha que fazer balé. Para mim balé era um tédio, mas foram nessas aulas que eu descobri que adoro música clássica e que o som do piano é o meu favorito.
Comecei a fazer aulas de piano em 1989, quando já tinha 11 anos. Minha professora, Maria Cecília, era fantástica e eu simplesmente adorava as aulas.
Meu primeiro piano era um bem velhinho, que meu avô trouxe da boate, e que era daquela época em que se tocava jazz nas casas noturnas. Lembro que a última tecla do lado esquerdo estava queimada, pois era onde o pianista descansava seu cigarro.
Meses depois eu ganhei um piano chique de uma marca que eu não consigo pronunciar. Ninguém me perguntou se eu queria um novo piano e nem sequer me pediram para testá-lo. Simplesmente compraram o piano da vizinha.
Se eu tivesse escolha naquela época, jamais apoiaria a compra daquele piano. Ele tinha um problema numa das cordas que nunca foi possível consertar, apesar de várias tentativas. Outra coisa que não apoio: o piano tinha teclas de marfim e ébano. Sabe-se lá quantos elefantes foram mortos para fazer teclas de piano.
No fim das contas, eu gostava mesmo do som do piano velho. Ele era potente e perfeito, mas ele um dia sumiu lá de casa e só ficou o outro.
Em 1992 eu me mudei para Curitiba para fazer o segundo grau. Lá no apartamento não tinha piano para praticar. Nos finais de semana, quando eu viajava para Paranaguá, eu tentava praticar e fazer aulas, mas isso não durou muito.
Uns anos mais tarde pedi pro meu avô comprou um piano pra mim para o apartamento de Curitiba, mas eu descobri que tinha realmente perdido a motivação. Toquei muito pouco naquele piano.
E o tempo passa rápido: cursinho – faculdade – trabalho – mudança para São Paulo.
Levei o piano comigo, mas novamente, toquei muito pouco.
Morei naquele apartamento no Tatuapé por somente 8 meses, pois nesse meio tempo eu conheci o Carsten e acabei decidindo me mudar para a Dinamarca.
Coloquei o piano a venda, e para minha surpresa no dia seguinte vieram buscá-lo. Nunca imaginei que venderia tão rápido. Quando o carregador entrou para buscar o piano, eu o reconheci. Era o mesmo carregador que trouxe meu piano de Curitiba para São Paulo. Olha que coincidência! Ele nem quis ver o estado do piano. Disse que precisava comprar dois pianos para levar para um concerto no Rio Grande do Sul. Em menos de cinco minutos o piano foi embora.
Nos primeiros 4 anos na Dinamarca eu morava num apartamento de 40 metros quadrados. Nem banheiro aquele apartamento tinha. Sem condições de ter um piano.
Somente em 2005, quando Carsten e eu nos mudamos para uma casa, foi que compramos um piano. Aliás, a própria companhia de mudanças nos ofereceu um pianinho Yamaha que eles tinham encostado num canto. O piano foi nossa primeira compra. Não tínhamos mesa de jantar, mas tínhamos piano!
Depois de tantos anos sem tocar, praticamente de 1993 até 2005, fiquei impressionada como eu ainda me lembrava de cor de muitas peças, inclusive daquelas peças iniciais de 1989. E eu ainda me lembrava das aulas com Maria Cecília, de como ela me incentivava e vibrava dizendo: “Isso!!! “
Aqui na Dinamarca tentei fazer aula com três professores diferentes: um iraniano, um dinamarquês e uma polaca. A experiência foi válida, pois sempre se aprende alguma coisa nova com um professor, mas não me adaptei ao estilo de nenhum deles e perdi a motivação.
De 2014 a 2024 eu toquei muito pouco piano. Eu me cansei de sempre tocar as mesmas músicas. Toquei pouco, mas paguei muito. Afinação é um gasto. Sem contar que esse piano Yamaha se mudou três vezes comigo.

No fim de 2024 eu estava me preparando para mudar para um apartamento onde não tem elevador e eu sabia que custaria uma nota preta para carregar o piano escada acima. Tentei vender o piano e por falta de informação, coloquei um preço baratinho. Acho que o povo pensou que o piano tivesse algum problema e comecei a receber muita pergunta sobre o estado do piano. Algumas perguntas eram bem técnicas.
Fui então me informar e pesquisando o número de série e modelo, descobri que esse piano Yamaha foi produzido no Japão, em Hamamatsu em 1982.
É um piano que tem um som muito bom, ele mantém bem a afinação. Eu estava pedindo 5 mil coroas pelo piano, mas depois vi um piano da mesma marca, de 1981, sendo vendido numa loja dinamarquesa por 14 mil. Eu estava vendendo barato demais.
Retirei o anúncio do jornal e resolvi pensar.
Janeiro de 2025, acabei que paguei para trazer o piano escadas acima. Uma amiga, quando viu meu apartamento novo, disse que foi bom eu não ter vendido o piano. Ela acha que no novo apartamento eu vou me inspirar. Talvez ela tenha razão. Dias depois da mudança eu já toquei no piano. Agora falta mandar afinar e ele vai ficar nos trinques.
Professores
Maria Cecília Aulicino Bastos Jorge – minha adorada professora de Paranaguá que esteve na Dinamarca em 2024 e pena que não foi possível um reencontro.
Aria Farjadi – um iraniano que me apresentou o compositor Fariborz Lachini. Eu gostei tanto das peças da coleção Outono Dourado que comprei online. No dia que os DVDs e partituras chegaram, tinha um bilhete escrito a mão agradecendo pela compra.
Tom Strands – um dinamarquês do meu bairro que me ensinou a tocar blues. Fizemos umas quatro ou cinco aulas juntos, somente.
Anna Tomczak – uma polaca que ia me dar aulas em casa. Eu adorava Chopin (que é polonês) mas ironicamente, Anna não suportava tocar Chopin. A gente acabou então tocando um Mozart 4 mãos juntas (vídeo abaixo).
Meu Repertório (um dia eu toquei isso!)
- Chopin, Noturno 20a póstumo em Dó Sustenido Menor
- Chopin, Mazurka op. 7 n°. 1
- Mozart, Sonata a 4 mãos em Ré Maior K.381 – 1º mov. – 2º mov. – 3º mov.
- Mozart, Sonata em Dó Maior K.545, segundo movimento
- Bach, Siciliano da Sonata n° 2 para cravo e flauta BVW1031
- Grieg, Valsa das Peças Líricas op. 12 n° 2
Para momentos de Nostalgia 🙂 Aquelas peças fáceis que eu tocava quando era adolescente.
- Mozart, gavotte k.10 dos Les Petites Riens
- Sonatinas de Clementi op. 36
- Prelúdios de Chopin op. 28 n° 4, 7 e 20
- Prelúdios de Bach em Dó Maior
- Cirandinhas e Petizada de Villa-Lobos
Dueto do vídeo – Mozart Sonata 4 mãos em Ré Maior K.381 3º movimento