Etapa 2 – Dia 1 de manhã
Domingo. Chovendo torrencialmente. Após o café, eu tinha que trocar de hotel e checar se minha mala tinha chegado. O plano para esse dia era encontrar Chieko, a minha correspondente com quem troco cartas faz um ano e meio.
A primeira coisa que fiz foi tirar um selfie e enviá-lo pra Chieko, para que ela pudesse me reconhecer. Nunca tínhamos trocado fotos antes. Ela fez o mesmo. Ficamos de nos encontrar na frente do portal do templo Senso-ji em Asakusa.
Estava chovendo tanto, que só atravessar a rua do hotel até a entrada da estação me molhou inteira. De trem, de Shinjuku até o bairro de Asakusa demorou uma hora, e quando cheguei, a chuva tinha diminuído para uns chuviscos. Que sorte. Esse foi o único dia que peguei chuva de verdade nos 23 dias de viagem.
Eram 11 da manhã quando cheguei no hotel. Eu ia encontrar Chieko ao meio dia, então eu tinha tempo, especialmente porque do hotel até o portal Kaminarimon eram somente 5 minutos de caminhada. Achei que tinha tempo mais do que suficiente, mas as coisas nunca acontecem como a gente espera.
A mala tinha chegado! E para minha surpresa, eu podia ir direto para o quarto. Eu não precisava esperar para fazer check-in, porque a minha acompanhante de quarto tinha chegado na noite anterior. E foi aí que entendi o porquê da confusão no telefone quando o hotel de Shinjuku ligou para Asakusa. Eu tinha dito que meu check-in seria no domingo, mas como minha acompanhante de quarto chegou um dia antes, estava marcado que o meu check-in também era um dia antes. Eita. Mas beleza, vou para o quarto deixar a mala.
Tento minha chave, mas a porta estava travada por dentro. Bato na porta por vários minutos e nada. Escuto pela porta que tem um televisor ligado. Bato, bato e bato naquela porta. Tinham me dito que o nome da minha acompanhante é Nancy. Chamo pelo nome, e nada. Eu ia voltar na recepção mas vi uma das arrumadeiras e falando um japonês mega básico, perguntei se ela podia ajudar. Pensei que a chave-mestre ajudaria, mas a chave dela também não funcionou. E continuamos nós duas batendo na porta e chamando, até que passou um segurança. Ele ligou para a recepção pelo walkie talkie e a recepção ficou de telefonar para o quarto. Mais cinco minutos se passaram até que Nancy abriu a porta com uma cara muito confusa. Eu disse que eu seria sua acompanhante nos próximos 10 dias de viagem.
Se a recepção não tivesse ligado, sabe quando que Nancy teria me escutado bater naquela porta? Nunca. Com 76 anos de idade, ela usa aparelho nos dois ouvidos e ela tinha tirado o aparelho para tirar um cochilo! Além do mais, Nancy não estava esperando que usaríamos o mesmo quarto que ela recebeu na sua primeira noite de estadia. Aquele quarto era muito apertado e ela achava que receberíamos um quarto maior. Ledo engano. Quando entrei, vi que ela tinha se espalhado e espalhado sua bagagem por tudo. Simplesmente não tinha lugar para mim nem pra minha mala. Mas tudo bem. Deixei minha mala e fui encontrar Chieko, porque nessa brincadeira de esperar Nancy abrir a porta, se passaram 50 minutos.
Etapa 2 – Dia 1 de tarde
Os Japoneses nunca chegam atrasados, aliás, eles chegam adiantado mas Chieko chegou com 8 minutos de atraso e nem enviou uma mensagem no meu Zap para me alertar. Eu estava preocupada, achando que no meio daqueles guarda-chuvas, ela não estava conseguindo me reconhecer.
Chieko foi muito cortês, mas eu achava que ela seria mais expansiva, mais brincalhona. Nas nossas cartas sempre falamos das trilhas e viagens que fazemos, mas no nosso encontro, não tínhamos muito para conversar. Ela me levou num restaurante pequenininho para comer um soba (os miojo chiques do Japão). Existe técnica para comer macarrão. Tem que fazer barulho na hora de sugar ele pra boca. Achei que seria fácil, mas foi um desastre. Meu macarrão era grosso, quando eu tentava sugar, ele quebrava, caía no prato e espirrava sopa por tudo. E eu gosto de tomar a sopa, mas aprendi que no Japão só se come o soba ou lamen e deixa a sopa. Achei um desperdício. Enfim. Fiz tanta gafe nesse almoço, que é melhor deixar pra lá.
Chieko me mostrou os templos, pagodas e portais no Senso-ji. Como estava chuviscando, tirei pouca foto. As fotos estavam ficando escuras. Chieko me explicou umas coisas da cultura nos templos. De queimar incenso para atrair boa sorte, mas a gente não precisava comprar incenso, podíamos “roubar” um pouco da sorte puxando a fumaça dos incensos para o nosso lado. Foi o que fizemos. Como esse era meu terceiro dia no Japão e o primeiro templo que estava visitando, eu ainda estava focando em tirar foto das carpas e das moças vestidas de kimono (se bem que eu não estava achando nada legal ver aquela mulherada andar de chinelo de dedo de palha e meia soquete naquela chuva e asfalto molhado).
Chieko perguntou se eu queria tirar minha sorte (omikuji). Coloca uma doação de 100 Yen na caixa, pega a lata metálica e dá uma chacoalhada nela, tira um pauzinho de dentro. Tem um número dele. Nas gavetas na nossa frente havia números. Achamos a respectiva gaveta e tiramos uma folha de papel lá de dentro.
Se você tira boa sorte, você guarda o papel consigo. Se for má sorte, você dobra o papel e deixa ele pendurado no templo.
Li o meu papel. Não era má sorte. Era péssima. Coisas horríveis naquela premonição. Eu nem li tudo, porque estava me deprimindo. Deixei aquele papel pendurado lá no templo.
Uns minutinhos depois, Chieko disse que tinha planos de fazer umas compras antes de voltar para Chiba, a cidade onde ela mora. Antes de ela ir embora, eu disse que minha amiga de Singapura tinha recomendado um dorayaki gourmet (panqueca japonesa recheada com doce de feijão vermelho) que vendia ali perto. A loja era na frente do portal, não dava para não ir. Ficamos 15 minutos na fila para entrar na loja. Sinal de que essa loja vendia coisas deliciosas. Tirei até foto dentro da loja para enviar depois para Soo Hwee, aquela amiga de Singapura.
Eu achava que Chieko e eu passaríamos mais tempo juntas. Achava que comeríamos o dorayaki juntas, mas não foi assim. Chieko agradeceu o presente (o dorayaki gourmet que comprei para ela e a caneca pintada à mão de Copenhague que levei como recordação) e se despediu. Não eram nem 3 da tarde.
O que faço agora? Caminhei pelas galerias repletas de lojinhas. Achei um lugar que você podia ficar alisando gatos ou porco-espinhos. Eu não gosto de gato, então optei pelo porco-espinho e estava prestes a pagar a entrada quando perguntei para um casal gay descendo as escadas o que eles acharam da experiência. Disseram que foi legal mas que tudo estava fedendo a gato. Pensei direito. Eu não trouxe muitas roupas para essa viagem. Não quero ficar fedendo no primeiro dia. Não entrei. Pena. Não tive outra oportunidade mais tarde durante essa viagem.
Tinha parado de chover, voltei no templo para tirar melhores fotos. Andei tudinho de novo pela segunda vez. Tirei fotos e vídeos do povo puxando sua sorte ou má sorte.
Achei uma fonte com um dragão. Eu não tinha visto essa fonte antes quando passei ali com Chieko. Estava bem ao lado do caldeirão dos incensos queimando. Só tinha turista ali naquela fonte e parecia que ninguém sabia o que fazer. Olhei a placa e pensei:
Segura a concha na mão direita, dá uma cuspidela na mão esquerda e enxagua as duas mãos. E foi o que fiz.
Mas, porém, todavia… no Japão se lê da direita para a esquerda. O processo correto eu aprendi 6 dias mais tarde quando chegamos no Kumano Kodo e a guia nos explicou.
Enche a concha com a mão direita, enxagua a mão esquerda: troca de mão, enxagua a mão direita. Enche a mão esquerda de água, coloca a água na boca mas não engole. Enxagua a boca e cospe discretamente fora. Se tiver água restante na concha, usa para enxaguar o cabo antes de recolocar no descanso.
Antes de voltar para o hotel, entrei num mini shopping center. Tinham me dito que Japão é um bom lugar para comprar sapatos confortáveis. Quem me disse isso foi uma amiga japonesa que mora aqui na Dinamarca. Achei um sapato que gostei muito e fui provar…
A maior numeração da loja era pequena demais para mim. Os japoneses são pequeninos não só em estatura mas também no tamanho do pé. A atendente me disse em tom de brincadeira que eu tinha um pezão. rsrs
Voltei para o hotel para comer meu dorayaki em paz e descansar antes de encontrar o grupo.
Etapa 2 – Dia 1 de noite
Seis da tarde, o grupo se encontrou pela primeira vez na recepção do hotel. Desci com Nancy, minha fiel companheira de quarto: americana de Minnesota.
Como em setembro passado eu viajei na Itália com um grupo através da mesma companhia, eu achava seria parecido: um guia local, a maioria do Reino Unido e uns poucos forasteiros. Naquela viagem o guia era italiano, e os forasteiros eram eu e um casal americano de Arkansas. Então minha expectativa era que o guia seria um japonês bilíngue, a maioria do povo do Reino Unido e os forasteiros seriam eu e Nancy.
“Mas a vida é uma caixinha de surpresas…”
O nosso guia tinha a maior cara de samurai, com umas sobrancelhas diabólicas inclinadas e dentes bem longos, mas o cara não era japa. Ele era americano e falava de uma maneira muito calma e devagar (minha preferência são guias que têm mais energia, mas tudo bem). Os forasteiros eram quase a metade do grupo: 2 da Austrália, 2 dos EUA e 2 do Canadá e tia Cris. O resto eram do Reino Unido, mas dessa vez não tinha ninguém de Wales, Escócia, e Irlanda.
A programação era um jantar num Izakaya incluso no preço passeio, para que todos se conhecessem. Mas dois casais ainda não tinham chegado no Japão e o guia sugeriu que adiássemos o jantar para o dia seguinte. Sensato e todos concordaram. Acabamos todos indo na mesma direção e eu me despedi assim que eles entraram numa lanchonete. Eu queria explorar a área sozinha, mas Nancy disse que queria me acompanhar. Para não ser indelicada, deixei meus planos de lado e acompanhei Nancy. Comemos uns yakitori – espetinho de partes estranhas de frango. Eu comi algo que parecia moela. No cardápio tinha até espetinho de pele da galinha. Será que é bom? Não provei. De aperitivo nos deram uns ovos de codorna marinados, mas demoramos para identificar o que estávamos comendo. Nancy provou metade de um e não quis mais. Eu comi a porção toda dos ovinhos.
Quando saímos do Izakaya eu perguntei se Nancy queria ver o templo iluminado de noite. Então pela terceira vez eu voltei no Senso-ji e tirei umas fotos bem legais.
A última coisa que vimos naquela noite foram uns homens jovens vestidos de gueixa. Eles estavam na frente de um clube com música alta, indicando o que encontraríamos lá dentro se entrássemos. Nancy e eu nos entreolhamos e ela disse: a versão japonesa dos drag queens.
Quando voltamos para o nosso “apertamento”, abri a cortina para ver se tínhamos alguma vista da janela do quarto. Por entre os prédios podíamos ver a torre Sky Tree iluminada.
Etapa 2 – Dia 2
O café da manhã foi no restaurante Panda. Assim que a porta do elevador se abriu, 3 pandas de pelúcia enormes estavam nos aguardando.
Nosso primeiro passeio em grupo em Tóquio começou no Senso-ji. E lá vai tia Cris pela quarta vez ver esse templo.
O resto do dia foi visitando templos budistas e templos shinto, e cemitérios e jardins. Como eu comentei anteriormente em outros posts, no final das contas, a arquitetura desses lugares são muito parecidos. Cortinas roxas, portais vermelhos, turistas vestidos de kimono, gente jogando moeda e fazendo uma prece ou lavando a mão nas fontes com o dragão.
Eu gostei das pontes sobre os trilhos do trem. Em várias havia enfeites na grade. O pessoal nesse grupo era muito animado. Não demorou muito para a gente se entrosar.
Passamos por uma rua cheia de lojinhas. O guia recomendou provar o croquete. Eu pedi um e quando vi frango à passarinho, não resisti e pedi uns também. Decepção. No Brasil, comida frita assim é servida quentinha. No Japão, é temperatura ambiente. Frango à passarinho e croquete de carne de porco frios, foi decepção. Outra decepção foi comprar chá gelado de garrafinha. Ice tea na Europa e chá Matte Leão aí no Brasil vêm adoçados. Docinho, gostosinho, refrescante. Ice tea no Japão é sem açúcar. Difícil de encarar.
Próxima parada, templo Nezu. Tiramos umas fotos bem legais com as centenas de portais no plano de fundo.
O fim do passeio foi no parque Ueno e eu não sabia que estava incluído no passeio de 16 de outubro. Eu tinha feito planos de voltar a Tóquio no dia 31 de outubro e eu tinha essa ideia de que eu queria passar a tarde do dia 1° de novembro no parque Ueno. Cheguei a reservar um hotel mais caro, mas que ficava relativamente perto do parque, só para essa finalidade. Afe. Acabou com meus planos.
No final do passeio no parque, o guia nos explicou como voltar para o hotel e tínhamos umas horas antes do jantar. Eu fiquei no parque mais um pouco. Gostei demais de ver aquele matagal de plantas aquáticas no meio da cidade e um templo budista bem no meio de tudo. Aquele templo me lembrou o templo que eu frequentava no Jabaquara quando morei em São Paulo. Eu estava cogitando alugar um pedalinho no lago, mas de repente comecei a me sentir mal. Um mal estar e estômago doendo. Eram meia hora de caminhada somente até o hotel, mas eu estava tão mal, que tive que pegar o metrô.
Para ver se me sentia melhor, antes de sair para o jantar em grupo, tomei um banho. Estava limpinha e cheirosinha e não esperava que jantaríamos num izakaya pequeno, com pouca ventilação, onde havia chapas de fritura no centro das mesas. A gente mesmo tinha que fritar a nossa comida. Se eu soubesse que iríamos num lugar para ficar fedendo fritura, eu não teria tomado banho antes e definitivamente não teria usado minha jaqueta nova. Nesse dia eu fiquei mordida e não fui a única do grupo. O guia poderia ter nos alertado. Eu não gosto de cozinhar e esse negócio de ficar fritando pedacinhos de carne e peixe você mesmo, não faz o meu gosto. O que salvou esse jantar foi o okonomiyaki (um tipo de omelete/panqueca com tudo dentro misturado). Foi o okonomiyaki mais gostoso que comi na viagem inteira. E olha que eu comi okonomiyaki em vários lugares.